quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Honestidade

- Praça de Toiros: Campo Pequeno
- Data: 11/08/2011 – Corrida de Homenagem Póstuma a José Falcão e José Varela Crujo
- Empresa: Campo Pequeno
- Ganadarias: 3 toiros de Veiga Teixeira (lide a cavalo) e 3 toiros e 1 novilho de José Luís Cochicho (lide a pé)
- Cavaleiros: Rui Salvador, Tito Semedo (Confirmação de Alternativa) e Duarte Pinto
- Forcados: Amadores de Vila Franca de Xira
- Matadores: Luís Procuna, António João Ferreira e Nuno Casquinha
- Novilheiro: Tiago Santos
- Assistência: Meia casa forte
- Direcção de Corrida: Delegado Técnico Tauromáquico Sr. Ricardo Pereira, asssessorado pelo Delegado Técnicio Veterinário Dr. Pedro Salter Cid

Quando o toiro falha, quando o artista não se encontra a gosto, inspirado ou simplesmente não tem a arte ou a técnica para resolver a “papeleta” ou quando por qualquer outra razão uma lide não decorre com o nível desejado por público e toureiros, há uma coisa de que estes nunca devem abdicar e a assistência deveria sempre exigir: Honestidade! É essa característica, que também poderíamos chamar de “verguenza torera” que permite ao cavaleiro, forcado, matador ou bandarilheiro ter o respeitável do seu lado, ainda que as coisas não estejam a correr pelo caminho do triunfo. Porque o bom aficcionado sabe e deve reconhecer ao artista, antes de mais, o seu empenho e esforço e o facto de, não se enganando a si próprio, também não tentar enganar aqueles que pagaram o seu bilhete para o ver. Nesta Quinta-Feira de Campo Pequeno, salvo uma ou outra situação pontual, podemos afirmar que a corrida, embora sem triunfos ou momentos verdadeiramente inesquecíveis, decorreu sob o signo dessa honestidade que tantas vezes falta por essas praças fora e isso só por si, já foi um factor bastante positivo na corrida lisboeta.

Em noite de homenagem a duas saudosas Figuras da nossa Festa, os intervenientes souberam honrar a sua memória, enveredando pelo caminho da verdade e rectidão, características bem patentes na vida e personalidade dos dois homenageados. Abriu praça o cavaleiro Tito Semedo que confirmava a sua alternativa, construindo uma lide equilibrada e sem “números circenses”, pese embora a fraca qualidade do seu oponente, um Veiga Teixeira grandote, com “cara de papelão” que só raramente se arrancou com verdadeira codícia ao cavalo, sempre do meio em direcção às tábuas, tentando apertar o oponente. Face a este comportamento, esteve inteligente o cavaleiro, aproveitando essas arrancadas e partindo sempre de terrenos de tábuas, procurando a emoção que o toiro não tinha, cravando os ferros (especialmente os curtos) com extrema correcção, com algumas bregas e preparações vistosas. Actuação extremamente digna, face à fraca prestação do toiro. Seguiu-se Rui Salvador, que fez gala das suas reconhecidas garra e maestria, para atingir uma lide quase perfeita, atendendo ao material que teve por diante, um outro exemplar falto de transmissão e também um pouco “destartalado” de “hechuras”. Cravou apenas dois compridos, para poupar o oponente (embora aquando da troca de cavalo o peão se tenha “entretido” a dar-lhe cinco ou seis trapazos), resultando bastante interessante o primeiro, pela maneira como aguentou a arrancada do toiro, executando apenas um ligeiro quiebro para deixar o ferro, que pecou por uma colocação um pouco traseira. Na série de curtos destaca-se aquele que, para mim, foi o ferro da corrida, o seu terceiro, em que aguentou a cavalo parado a brusca, inesperada e descomposta arrancada do manso e cravou um ferro de antologia, demonstrando que quando montada e cavaleiro são suficientemente bons e têm o coração necessário é possível receber-se um toiro no peito do cavalo, com este sacando-se e dobrando-se apenas no último instante, sem ter de recorrer ao engano da batida a piton contrário ou do “quiebro”. Um grande momento! Poderia ter repetido a dose no quarto, uma vez que o “Teixeira” deu exactamente os mesmos sinais no mesmo terreno de que poderia arrancar de forma semelhante, mas precipitou-se o cavaleiro e a coisa não saiu tão emocionante. De qualquer forma, saiu intocável no seu prestígio, rubricando uma actuação “marca da casa”, pautada pela honradez e pela procura da verdade e do risco. Fechou a noite, no que à “Arte de Marialva” disse respeito, o jovem Duarte Pinto, que mais uma vez agradou pelas suas boas maneiras e clássica monta, demonstradas na mais consistente lide da noite, executando bregas vistosas e cheias de sentido, para cravar todos os ferros “en su sitio” e como mandam as regras. Especial destaque para o arriscadíssimo quinto ferro, partindo do meio em direcção às tábuas, saindo por uma nesga de terreno, num poderoso encontro que levou a emoção ás bancadas. Ferro só possível de executar por alguém, com muita fé em si mesmo e nas suas capacidades, fiel intérprete da essência do toureio à portuguesa, em que o verdadeiramente importante é o momento da reunião com o toiro, concedendo-lhe todas as vantagens, cravando de alto abaixo e ao estribo e ainda assim saindo airoso e artista do lance. E Olé!

No capítulo da forcadagem, noite difícil para os Amadores de Vila Franca, uma vez que os “Teixeiras” chegaram às pegas e subitamente lembraram-se da força e do génio que levavam dentro, colocando sérios obstáculos aos rapazes da jaqueta às ramagens. Abriu praça o cabo Ricardo Castelo, que sofreu dois impressionantes derrotes nas duas primeiras tentativas, saindo visivelmente combalido do primeiro intento. O toiro arrancava pronto para o forcado que fez tudo bem, mas parecia adivinhar o momento exacto da reunião e lançava-se para o ar não dando a mínima hipótese ao adversário de se agarrar. Consumou à terceira com ajudas carregadas que não concederam veleidades ao bruto. Seguiu-se Ricardo Patusco que citou bem e recuou ainda melhor, toureando magistralmente a investida como é seu timbre, para consumar uma pega que tornou fácil, graças à sua experiência e fenomenal temple na cara dos toiros, contando como uma boa ajuda de André Matos. Encerrou a função Márcio Francisco, que sofreu uma duríssima série de derrotes na primeira tentativa, chegando já muito descomposto junto do primeiro ajuda, que pese a vontade férrea do cara em ficar, não consegui compô-lo. Voltou a citar com vontade e aplicou os seus braços de ferro, com o toiro a investir mais franco e a permitir que o bloco do Grupo de Vila Franca funcionasse como habitualmente, ou seja, perfeito.

Numa noite em que o nome de José Falcão esteve presente no pensamento, foi com alegria e emoção que se registou a presença de três jovens toureiros crescidos e formados na Escola Vilafranquense que leva o seu nome, acompanhados de Luís Procuna. Os quatro artistas tentaram ao máximo, cada um com os seus argumentos, levar as respectivas faenas a bom nível, embora com resultados diferentes. O primeiro exemplar de José Luís Cochicho foi um toiro de bandeira, com recorrido, repetidor e a humilhar, mostrando “fome de muleta”. Frente a tal matéria-prima, andou Procuna bulidor e variado, embora raramente tenha sacado partido da profundidade do oponente. Destacam-se algumas boas verónicas iniciais, rematadas com uma “meia” desmaiada e com sentimento, um arriscado e valente segundo par de bandarilhas e um câmbio de mão a iniciar faena com sabor e “toreria”. Perdeu-se depois o matador, num toureio de cercanias, meio-passes e “arrimón” não acorde com as características do toiro, que merecia um aplauso na recolha não obtido (coisas do público turista de Agosto). António João Ferreira deixou excelentes apontamentos, frente a um exemplar que teve um bom início, mas que logo se apagou, renunciando à luta. Demonstrou vontade e coragem ao tentar receber o toiro à porta gaiola, sendo “atropelado” sem consequências. Levantou-se o toureiro e sacudiu o pó do traje correndo as mãos e rodando a cintura com temple e profundidade num bom quite por verónicas, a que correspondeu Nuno Casquinha com algumas “gaoneras” comprometidas. Após um bom tércio de bandarilhas protagonizado pela quadrilha, António João recebeu o toiro com gosto e mando, dobrando-se com ele para lhe limar as asperezas, mas talvez tenha faltado um pouco de poder: o “dóblon” bem executado, quando o objectivo é dominar o oponente, exige que se carregue a sorte e se pratique um toureio sobre os pés, em que a perna de entrada, ainda a meio do passe se adentra no terreno do toiro, partindo-o e obrigando a rodar sobre si mesmo, veja-se o inimitável “Morante de la Puebla. Ainda assim, logrou duas séries de elevado nível, com a figura erguida e a muleta muito bem apresentada, templando magistralmente as investidas brutas e descompostas, num alarde de firmeza e colocação. Sentiu-se o toiro de tal domínio e começou a renunciar ao combate, momento em que o toureiro talvez se tenha equivocado ao não deixar a muleta posta e ao não tocar de imediato no remate de cada muletazo, permitindo ao adversário a fuga para as tábuas. Não obstante, registaram-se com muito agrado as maneiras, a disposição e o pundonor do jovem vilafranquense, que recusou uma volta por uma lide em que muitos teriam dado “meia dúzia”. Só isso bastaria para sair de cabeça bem erguida, numa lição de humildade que a muitos fazia falta. E se de humildade falamos, podemos dizer que não foi coisa que tenha existido em excesso na noite de Nuno Casquinha. Frente a um toiro manso, que procurou sempre o refúgio das tábuas, o novel matador vila-franquense conseguir arrancar-lhe uma meritória série nesses terrenos, melhor momento de um labor que se prolongou muito excessivamente, num mar de mios passes e num “arrimón” sem sentido. Não teve culpa Casquinha da fraquíssima prestação do toiro, mas foi da sua responsabilidade o facto de ter insistido ingloriamente uma e outra vez, chegando a enfadar parte do paciente e festivo público lisboeta, assim como responsável foi por não se ter retirado completamente para a teia após a sua lide, ficando dentro da arena á espera do aplauso e dando uma volta por sua conta, completamente injustificada, recolhendo depois entre barreiras com um olhar ameaçador em direcção a um sector do público, de onde jocosamente lhe haviam gritado “Mais uma volta!” De Casquinha, por ser toureiro valente, sincero e já curtido, esperávamos uma melhor atitude.… Para encerrar a função apresentou-se o jovem novilheiro da “José Falcão”, Tiago Santos, que voltou a confirmar as excelentes indicações que tem dado ao longo das suas actuações na presente temporada. Toureiro sereno e de excelente plástica, atesta uma boa capacidade de ler e compreender os oponentes, invulgar para a sua curta experiência. Esta lucidez na cara dos novilhos, permite-lhe eleger os melhores terrenos e dar a cada momento a lide mais adequada, encarregando-se a sua belíssima estética e excelente conceito toureiro de compor o quadro, com muletazos profundos e pintureros e também com um bom tércio de capote. Também se passou um pouco de faena e teve alguns desplantes finais um pouco em desacordo com o seu estilo e com a actuação conseguida, coisas que se perdoam pelas ânsias de triunfo e de agradar, normais em quem começa.

Para mim, enquanto vila-franquense, foi um enorme orgulho ver na arena alfacinha, os actuais expoentes máximos da minha terra, no que à tauromaquia diz respeito: o Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira, António João Ferreira, Nuno Casquinha e Tiago Santos, numa noite em que a memória dos dois homenageados saiu enaltecida, fruto, como dissemos inicialmente, da entrega e seriedade dos intervenientes, inclusivamente do Director de Corrida, o Ex.mo Sr. Ricardo Pereira, que não embarcou em triunfalismos na concessão de música, apenas pecando pela demora em atribui-la à lide do jovem novilheiro. Em resumo, uma noite que não foi inesquecível, mas que tão pouco defraudou. O meu agradecimento ao empenho e honestidade de todos os artistas.

O Mais e o Menos
+ Como já se disse, a atitude de cavaleiros, forcados e toureiros
- É uma absoluta VERGONHA que os burladeros continuem a estar montados durante as lides a cavalo, com o risco que acarretam para a integridade dos forcados, ainda para mais, quando houve intervalo a meio da corrida e só depois decorreu a parte do toureio apeado. Cai por terra o argumento da poupança de tempo, e só nos resta muito tristemente concluir que se trata nada mais do que uma questão de soberba e teimosia por parte da empresa. LAMENTÁVEL!!!

Nota: A Tauromania só hoje apresenta a crónica da corrio do passado dia 11 de Agosto, muito embora a mesma tenha nos tenha sido enviada no dia seguinte, mas infelizmente, por um acontecimento "informático" a mesma foi carregada mas não foi publicada. Pedimos desculpas aos leitores da Tauromania que diariamente nos acompanham e, em particular, ao autor da crónica João Diogo Câncio por só agora a estarmos a publicar.